segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O Guizo da Cascavel

- Van Grogue, carne de pescoço podre, por onde andaste? Sumiste que nem pensão de aposentado pelo INSS. – gritou lá do fundo do boteco Charles Bronchon ao ver o amigo que entrava.

Bronchon estava alcoolizado e o seu tom de voz pastoso, era indicativo de que há muito tempo bebericava, naquele princípio de tarde, no bar do Maçarico.

Grogue imaginou rapidamente uma resposta, mas por desejar beber a sua cerveja, em sossego, considerou ser melhor reagir com um aceno.

Porém a tentativa de manter-se à distância foi frustrada pela teimosia do Bronchon que, descolando-se do balcão, onde se encostara, aproximou-se cambaleante do Van de Oliveira.

- Você sabe que eu te amo, vigarista tupinambiquence. Mas por que foges de mim? – Bronchon abraçado ao Grogue falava-lhe encostando os lábios no seu cangote.

Van desvencilhou-se e cumprimentando, à distância, o Maçarico que a tudo observava com apreensão, limpava o balcão com um guardanapo límpido.

- Mas que baita fogo, hein? – brincou Grogue dirigindo-se ao Maçarico, ao mesmo tempo em que fazia, com gestos, o seu pedido.

- Fogo? Que fogo? Chama os bombeiros! – reagiu Bronchon.

- Você não presta Bronchon. – afirmou Maçarico servindo Grogue com a mais pura cerveja gelada.

- Eu não presto, mas dou um lucro terrível pra esse cortiço. É verdade ou mentira? – rebateu irado o Charles. Seu rosto avermelhara-se e seus punhos crisparam-se.

- Lucro, que mané lucro? Está devendo há seis meses e nem assim se toca. Qual é mano? – Maçarico falava decidido a pôr um fim na relação.

- Pois fique sabendo que eu vou pagar minha conta toda agora! Faça-me o favor de somar tudo!

Maçarico colocou o guardanapo sobre os ombros e abrindo uma gaveta, do lado esquerdo do balcão, sacou de lá um caderno escolar de mola. Ele o folheou até a certa altura, parou, voltou folheando, às páginas iniciais e ai sim, achou as anotações que se referiam ao Bronchon. Com uma calculadora chinesa, adquirida no camelódromo, iniciou a contabilidade.

- Fique sabendo que eu sou catedrático e já dei aulas pra milhares de alunos. Morei nos Estados Unidos, me casei lá, e tenho doze filhos que me amam. Oceis não sabem com quem estão mexendo, seus burros! – desafiou Bronchon com o indicador da mão esquerda levantado.

- Calma Charles. O cara está fazendo os cálculos. Fique quieto se não, ele erra a conta e você paga a mais. – manifestou-se Van Grogue tentando serenar o agitado Bronchon.

- E além do mais eu pinto de um jeito que ninguém neste mundo de meu Deus, consegue pintar. O quê? Vocês enlouqueceram todos!

Maçarico terminou os cálculos e os apresentou ao nervoso e barrigudo Charles Bronchon. Este apanhou o papel e tentando distinguir os numerais que ali havia, percebeu que era-lhe impossível enxergar.

- Esta conta está errada! – esbravejou o cachaceiro.

- Não está errada, não. São exatamente R$ 918 que me deves. – asseverou Maçarico com o semblante firme.

Bronchon retirou do bolso traseiro o talão de cheques. Estava amarrotado, mas continha três folhas íntegras. Ele então o entregou ao Maçarico pedindo-lhe que preenchesse uma delas.

- Mas não vai errar, hein! – pediu, com certa ênfase, o Bronchon.

Maçarico escreveu os valores passando o talão ao seu proprietário para que assinasse.

Charles colocando o documento bem próximo dos olhos pôde confirmar a exatidão do que estava ali grafado; sacou em seguida uma caneta escrevendo o seu nome.

Quitada a dívida, Bronchon resmungando, deixou o ambiente.

- Você sabia que esse cara fotografou a namorada nua e depois colocou as fotos na internet? – perguntou Maçarico ao Van Grogue.

- Ele fez isso? Mas que cara louco, meu. – reagiu Van de Oliveira.

- Fez sim. Umas dez vezes. Quase acabou com a moral da moça. Mas olha que cara cafajeste! – Maçarico estava indignado. Ele esfregava com força o guardanapo no balcão. - Ela precisou mudar de cidade, imagine só!

Enquanto os dois homens conversavam um alarido formou-se na rua bem ao lado do boteco. As pessoas se aglomeravam defronte ao terreno baldio e falavam alto. Umas pediam pra cortar e chupar o ferimento, enquanto que outras gritavam pra que alguém chamasse uma ambulância.

Curiosos Van Grogue e Maçarico saíram à porta do bar.

Populares observavam o homem caído sobre a erva daninha que encobria o terreno vizinho. Era Charles Bronchon que, ao adentrar na mata pra fazer xixi, fora picado por uma cascavel de guizo grande.

- Está morto! – exclamou Van Grogue.

- Realmente! Isso é pra deixar de ser besta e fazer maldade para as pessoas. - confirmou Maçarico secando as mãos com o guardanapo.


Fernando Zocca.



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