segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Jipe do Van Grogue

Depois de ter o dente arrancado e sentir que as dores cessaram, Van Grogue pôde aceitar o convite especial, feito por Luisa Fernanda e Célio Justinho, que na chácara da família, ofereceriam um churrasco aos amigos.

Defronte ao espelho Grogue se preparava, vestindo-se com a melhor roupa que dispunha.

Era um sábado de manhã quando Luísa Fernanda, acordando bem cedo, notou aliviada, que não choveria. Ao olhar da janela para os limites da propriedade, a mulher percebeu, perto da churrasqueira, o vicejar duma toceira de mato alto.

Espreguiçando-se ela foi ao banheiro, tomou um banho demorado, escovou os dentes e já no quarto, vestiu-se com um short preto, uma camiseta branca e chinelos de tiras verdes.

A caminho da cozinha Luisa ouviu os acordes do hino do Corinthians que Célio Justinho tentava, mais uma vez, executar de orelhada, naquele teclado obsoleto, cujas teclas mostravam-se amareladas pelo tempo e higiene deficiente.

- Bom dia Célio. De novo com esse teclado? Você não acha que tortura muito os pássaros, as galinhas e os porcos dos viveiros, com essa mania? Veja que até as samambaias se ressentem. – ralhou a chateada Luisa ao sentar-se à mesa para o café da manhã.

- Nós mudamos para a chácara por causa dos vizinhos que não gostavam das minhas músicas. Tudo bem; estamos nesse fim de mundo onde nem calçamento a estrada possue. Quando passa um carro a poeira levantada, se condensada e comprimida, pode transformar-se num castelo, e nem aqui posso tocar o que eu quero. Ora, faça-me o favor! – retrucou irado o Justinho.

- Você sabe que hoje é sábado e daremos um churrasco pra todo o pessoal importante da cidade. Jarbas, Zé Lagartto, Fuinho Bigodudo, vovô Bim Latem, Virgulão, Zé Cílio, tia Ambrosina, Tendes Trame, e até o Charles Bronchon aparecerão por aqui. Sem falar nos contabilistas, químicos, dentistas, farmacêuticos, bancários, médicos, açougueiros, jipeiros e claro, Van de Oliveira Grogue que já confirmaram a presença. – informou, com firmeza, Luísa Fernanda.

- Eu não ficarei por aqui. Tomo os meus goles e saio logo que começar a quizumba. Eu não suporto esse Grogue. Todo mundo sabe. Não gosto dele. – reagiu Célio igual a uma criança contrariada que faz birra.

Sem responder à teimosia do Célio, Luísa batendo palmas, fez vir a mulher que servia na cozinha. A jovem se aproximou mostrando-se atenta às ordens e ouviu:

- Esmeralda, minha filha, faça o favor de mandar vir aqui o caseiro. – ordenou Luísa Fernanda sorvendo um gole de café açucarado.

- Sim senhora. – respondeu a moça retirando-se em seguida.

- Você não me decepcione, novamente! Espero mais educação da sua parte. Escutou bem seu Célio? Não quero mais demonstração de falta de educação com os vizinhos. Morou coisinha feia? – Luisa Fernanda demonstrava a autoridade que a mantinha, há uma vintena de anos, no cargo de gerente, do Banco Tupinambiquence Multinacional.

- Mandou me chamar madame? – indagou o caseiro que chegava, segurando nas mãos o chapéu de palha enorme, que lembrava os “sombreros” mexicanos.

- Ô Augusto, faça o favor de capinar aquelas toceiras que estão perto da churrasqueira. E vá acendendo o carvão. O pessoal começa a chegar logo e não quero ninguém insatisfeito nessa festa, entendeu?

- Sim senhora. Estamos aqui para servir. Com licença. – respondeu o solícito Augusto, saindo em seguida.

- Sempre fui educado com todo mundo. Aquele vizinho chato é que implicava quando eu tocava as sertanejas. – defendeu-se Célio.

- Ele não implicava com as músicas sertanejas. Ele implicava com o som alto e a repetição doentia que você fazia pra provocar. – arrematou Luisa mordendo um biscoito.

- Vá, vá, vá... Puta cara chato, meu! – Ele se queixava até do latido da cachorra. Mas pode uma coisa dessas? – indignou-se o Célio.

- Bom, eu não sei. Só sei que tudo isso já passou e não quero mais esse tipo de vexame. – finalizou Luisa.

Os cachorros, ao latirem, indicavam a presença das pessoas que chegavam.

Um a um os convidados de Luisa Fernanda e Célio Justinho surgiam a bordo dos automóveis importados e reluzentes. Van Grogue chegou de Jipe amarelo 4 x 4.

Todos beberam, comeram, conversaram, ouviram música, planejaram estratégias, trocaram juras de amizade e puseram muita fé no futuro.

Quase no final da reunião festiva o casal anfitrião, interrompendo a agitação e reunindo todo mundo, agradeceu a presença deles, não deixando de prometer auxílio aos que concorreriam ao preenchimento das vagas dos cargos eletivos, nas próximas eleições.

- Não é pra me gabar, mas vocês sabem que temos uma influência notável nesta cidade. Podem contar conosco. – completou Luisa Fernanda no fim da festa.

Antes de irem embora, os mais exaltados resolveram passear pela redondeza, com o Jipe do Van Grogue.

Jarbas, Tendes Trame, Zé Lagartto, Fuinho Bigodudo, Virgulão e Zé Cílio subiram no veículo e fazendo arruaça arrancaram perdendo-se na mata que revestia o terreno irregular.

- Eu sabia. Bem que me avisaram. Essa turma tem um quê comigo que nem o Freud teria facilidade pra explicar. – lamentou-se o Van Grogue quando soube que a cúpula diretiva da cidade havia perdido o seu Jipe num buraco profundo.


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