segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

As Três Suturas


A pancada na cabeça, causadora da ruptura do couro cabeludo, que só foi cerzido no pronto-socorro da cidade, com três suturas feitas com a linha preta categute, conduzida pela agulha curva, causou um latejo dolorido que impediu o sono do Grogue naquela noite.

Às perguntas da autoridade policial, presente no plantão daquele serviço médico, Grogue mentira dizendo que caíra de uma escada quando, na verdade recebera um golpe quase mortal de borduna.

O atacante preparara, durante a tarde toda o objeto, com o qual agrediria à noite, formatando-o com um canivete afiado. A madeira na qual a peça foi esculpida era de pinho, porém a maciez, não reduziu o poder contundente.

Ao receber o choque na região parietal esquerda, Grogue dobrou as pernas indo ao solo. No chão sentiu a quentura do sangue espesso que lhe escorria pelo rosto, empapando-lhe a camisa.

A vítima ainda tentando recuperar a consciência, pôs-se de pé quando então o agressor aproximando-se, ameaçou-o com outro golpe, sendo contido, porém por uma outra pessoa que assistia o embate.

Grogue imobilizou-se mais por causa da dor lancinante, e do estado confusional em que imergira do que pelo esforço dos adversários.

Os agressores combinaram então em consertar o cocuruto do danado, levando-o, a pé mesmo, ao pronto-socorro de Tupinambicas das Linhas a cidade mais conhecida do Estado de São Tupinambos.

Naquele tempo, final da década dos sessenta, a cidade ainda era pequena e um peido emitido com veemência na madrugada, era ouvido e comentado pela vizinhança que não era TV, mas que também vivia com as antenas ligadas.

Ainda hoje Tupinambicas das Linhas tem essa característica. É uma cidade pequena, pobre e inculta. Mas na concepção dos seus políticos é um oásis, um Éden, de onde tiram o conforto das suas vidas.

Talvez a concepção equivocada do paraíso seja a forma de defesa com a qual os tais homens públicos tentam minimizar o desconforto que experimentam por viverem num local tão rústico e tosco. Talvez esse conceito de lugar aprazível sirva para abrandar as culpas que os tais políticos da cidade sentem ao subtrair-lhes as riquezas.

Mas naquela noite, ali na casa velha da esquina, num bairro alto, onde se improvisou o pronto-socorro, Grogue foi interrogado por alguém fardado depois que se viu sentado na maca.

Quando o guarda municipal convenceu-se de que a vítima havia mesmo caído da escada, afastou-se dando lugar à enfermeira. A mulher mandou o ferido deitar-se, e usando álcool embebido num algodão limpou o ferimento com certa selvageria. Hoje em dia, passados quase quarenta anos do incidente, aquela mulher faria jus aos dísticos que se vê pregado em qualquer para-brisa de carro: "Aqui o sistema é bruto", ou ainda "Aqui até o pica-pau entorta o bico".

Logo em seguida a mulher afastou-se, para voltar alguns minutos mais tarde, trazendo uma tesoura. Com o objeto ela cortou os cabelos circundantes do ferimento. Não induzia aos movimentos mais suaves da mulher, aquelas queixas, caretas e lamentos emitidos pelo paciente, sob as fricções do ato abrupto.

Os acompanhantes do Grogue permaneciam, aos cochichos, na área da recepção, longe do local onde se procediam os curativos.

Depois de duas ou três injeções, um curativo sobre a costura, e uma bandagem em volta da cabeça, puseram o tal pra caminhar. Atordoado lá se foi o Grogue acompanhado pelo agressor e o mediador da pendenga.

Hoje em dia, meu amigo, minha amiga e senhoras donas- de-casa, já bem velhinho o Grogue só lê Paulo Coelho. Disseram alguns neurologistas que a pancada, as três suturas e os três nós que ele recebeu na cabeça, danaram de certa forma, aquele miolo. Afirmaram também que a história vivida pelo cara poderia ter sido outra, não tivesse ele passado pelo que passou.

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