quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Chapéu

Oscar Neyro aproveitando o momento em que não havia mais ninguém, além do proprietário, no bar do Bafão, naquela manhã de sábado, entrou detonando:

- Verme do inferno! Manda aquela pinga esperta e a cerveja mais bem gelada que você já viu.

Bafão que lavava alguns copos na pia, com a costa voltada para o balcão, virou-se sobre o ombro direito e olhando de baixo para cima, mirou a presença marcante do roliço Oscar Neyro, o mais novo morador da Vila Dependência.

Tirando do ombro esquerdo o guardanapo com o qual enxugou as mãos, o proprietário do boteco pôs sobre o balcão o copo específico de aguardente, enchendo-o com a tal filha-do-senhor-do-engenho.

No momento em que Oscar emborcava a caninha, Bafão servia-lhe a cerveja geladíssima. Foi nesse instante que adentrou ao recinto a mais bela e cobiçada morena de olhos verdes, das curvas perfeitas, e das coxas vistosíssimas do quarteirão. Era Aline, a solteira exuberante que inibia, de certa forma, a moçada do bairro, com aquele seu jeito extrovertido.

- Seu Bafão, eu quero um litro de leite, dois filões, e meio quilo de pó de café – disse a bela, com o dedo indicador da mão direita em riste, acima da cabeça. Ajeitando depois o short preto, semi-encoberto pela camiseta verde, e juntando os pezinhos, calçados com o legítimo All Star preto, ela esperou.

Oscar Neyro, boquiaberto, pousou seu olhar sobre a moça, mas antes que pudesse expressar qualquer juízo de valor foi interrompido pelo vozeirão do comerciante que passava, envoltos num saco plástico, sobre o tampo do balcão, os produtos pedidos pela consumidora.

- Marca isso tudo na minha conta. O senhor já sabe né? No fim do mês a gente acerta – concluiu a jovem saindo do boteco.

Ao voltar-se para a pia, onde continuaria lavando os copos, Bafão notou a entrada de outra moça também de short, chinelos, camiseta vermelha e preta sem mangas, e decote cavado.

- Meu Bafinho querido: embrulha um desodorante, um sabonete e aquela pasta dental esperta. Quero ainda dois filões e 160 gramas de mortadela. Faça-me esse favor, queridinho – pediu com gentileza a loura Débora, dona também dos mais vistosos olhos esverdeados da redondeza.

Oscar Neyro só olhava; ele mantinha o copo suspenso entre o tampo do balcão e os lábios.

Pedindo que Bafão anotasse a dívida num caderninho, a moça deixou o bar, balançando os quadris ostentosos.

Antes que Oscar dissesse qualquer palavra, fizesse algum comentário ou risse da situação, Bafão explanou:

- Nem pense bobagem. As duas são casadas. Você se lembra do Sylvester Stalonge? Pois é. Entrou numa fria lamentável. Engraçou-se com a mulher do Luis Hernandes e o casal teve de se separar. Do Luis você se lembra, não é? – indagou Bafão percebendo que Neyro já não prestava tanta atenção no assunto.

Diante da afirmativa do cliente, Bafão prosseguiu:

- O negro Luis Hernandes foi contratado pelo Sylvester Stalonge como desossador oficial do açougue que ele – o Stalonge – havia acabado de instalar. Depois de seis meses, mais ou menos, Hernandes começou a falhar no serviço. Vinha um dia, mas faltava outros três. Essa situação continuou até o momento em que Sylvester Stalonge, de surpresa, fez uma visita ao empregado. O dono do açougue foi recebido pela mulher do Hernandes, que informou estar o marido dominado pela bebida e sem condições de continuar no emprego. Bom, - pra encurtar a história -, papo vai, papo vem, o Stalonge “traçou” a mulher do Hernandes.

Ante a face de espanto demonstrada pelo já embriagado Oscar Neyro, Bafão prosseguiu:

- Olha, meu amigo, a confusão foi tanta, a quizumba tamanha que não principiaram uma revolta militar, um motim destruidor, ou terremoto, por pouco, muito pouco, pouco mesmo. Você não acredita, mas até há algum tempo, o Sylvester Stalonge sentia os efeitos da mancada que deu.

- Como assim? – inquiriu Oscar Neyro.

- Você sabe como é esse pessoal: eles misturam tudo. Confundindo Luis com luz, fizeram o pobre Stalonge ter problemas na Companhia Tupinambiquence de Força e Luz até o ano passado. O sujeito levou cada choque elétrico que deu medo. O fornecimento de energia das suas casas foi cortado várias vezes, durante anos seguidos. Seus aparelhos não duravam muito tempo; queimavam-se com facilidade. E olha que a “trairagem” aconteceu há mais de 30 anos.

- Impressionante – admirou-se Oscar.

- Você não acredita, mas fizeram circular um boato que os bisavôs do Sylvester, que imigraram da França em 1.870, não pagaram nem o “chapéu”, e que ele, o bisneto, deveria ser condenado por isso.

Bastante curioso, Oscar Neyro perguntou:

- Chapéu? Que história é essa?

- Você não sabe? Ora, “chapéu” era a gratificação que o armador, dono do navio, pagava ao capitão, quando este chegava a salvo no destino. O valor do prêmio era coletado entre os passageiros.

Enquanto Bafão voltava a lavar os copos e Neyro sorvia o último gole de cerveja, Debora entrou novamente no bar.

- Estou tão sozinha, neste sábado gostoso... Bafão, querido, meu xampu favorito você sabe qual é – lançou a moça revolvendo os cabelos que lhe encobriam a nuca.

Ao entregar a mercadoria para a freguesa, Bafão olhou para Oscar Neyro e murmurou:

- Vai nessa?



Texto revisado em 24/02/2011.

Atenção:

Qualquer semelhança de nomes, pessoas, ou situações terá sido mera coincidência.

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