quarta-feira, 29 de junho de 2011

APERTANDO O BOTÃO


"Do mesmo jeito que os escravos, no tempo do Império, morriam nos canaviais dos senhores de engenho, morrem hoje os cortadores de cana, nos canaviais das usinas de álcool." (Frase atribuída a E. Mail, antes de cair desacordado, no boteco da tia Cris, vitimado pelo coma diabético).

Van Grogue, já atordoado pela ingesta da água-de-briga, entrou naquela tarde de segunda-feira no bar da tia Cris. O ambiente estava às moscas. Não havia freguês e o balcão desguarnecido.

Do rádio velho, postado numa prateleira acima da pia, onde a dona lavava os copos, vibrava uma canção. Era do tempo em que Roberto Carlos andava de calças curtas na periferia de Cachoeiro de Itapemirim.

Grogue foi avançando, avançando e, sentindo necessidade de fazer xixi, resolveu ir ao banheiro. Ao fechar a porta, ouviu uma espécie de zum-zum. Eram vozes de moças que se divertiam com alguma coisa.

Depois de fechar o zíper da calça, lavou as mãos e não contendo a curiosidade resolveu investigar o que era aquele auê.
  
Aproximou-se devagar, pé ante pé e viu quatro jovens sentadas em torno duma mesa circular. Elas falavam ao mesmo tempo e tinham seus dedos indicadores acima do fundo dum copo emborcado. Um círculo formado pelas letras do alfabeto limitava os movimentos da vasilha. Pelo que ele pòde perceber, o copo movimentava-se respondendo as perguntas das meninas, parando defronte as letras, formando assim as palavras das respostas.

Grogue viu que não foi notado. Aproximou-se das moças. Elas faziam perguntas e o copo mexia-se dentro do círculo. Uma delas perguntou se um parente subiria na vida.

Enquanto viam os movimentos do copo, Grogue achou que poderia muito bem passar por trás delas e, subindo aquela escada de madeira, entrar na casa da tia Cris, sem que elas percebessem. Resolveu arriscar. Degrau por degrau foi ascendendo.

Logo depois, quando estava quase lá em cima, olhou para baixo e elas animadas viram que o copo dizia que, aquele parente de uma delas, não ficaria muito tempo nas alturas do sucesso.

Van Grogue achou que aquilo tudo era uma brincadeira sem graça e vendo que poderia enganar as moças começou a descer as escadas.

Quando passou novamente atrás delas, foi chamado para participar da brincadeira. Ele disse que não achava graça nenhuma naquilo e se afastou.

Uma das jovens disse então pra tia Cris que aquela brincadeira servia para medir a sugestionabilidade dos sujeitos.

Van Grogue entrou no salão do boteco e aguardando a proprietária, para ser servido, parou na porta do estabelecimento. Na rua um velho subiu à sua carroça e tomando as rédeas nas mãos, incitou o animal ao movimento. Ante a indiferença do burro em mexer-se, o velhote não perdeu a pose e disse:

- Esse não é movido a álcool, mas também é difícil na partida.

Grogue, em resposta gritou:

- Ô Edgar G. Anta... Você não é o Noel, mas também não deixa de ser um bom velhinho.

Tia Cris entrou no salão e ouviu o pedido do Grogue.

Ele queria pinga. A moça considerou aquele freguês um chato. Passava horas e horas sentado à mesa com um mísero copo de pinga. Não gastava, não consumia, e ainda enchia o saco de todo mundo.

Ela então resolveu aplicar uma variante da brincadeira do copo: simularia uma conversa ao telefone. E foi assim, falando, falando que ela fez aquele tonto ir embora.

Publicado originalmente em 07/01/2011.

Mudando de assunto:
Veja no vídeo a história de Pablo Pineda

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