terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O Vestido Vermelho

Diva saiu de casa logo pela manhã. Levava debaixo do braço aquela papelada toda que usaria no convencimento de algumas senhoras aposentadas, sobre os benefícios que haveriam de ter, ao comprarem os terrenos do loteamento Now Will.

Ela não era muito alta, mantinha o peso com as dietas da moda e alguns exercícios que fazia em casa. A vendedora gostava muito de conversar. Conhecia pessoalmente Tendes Trame, Jarbas o caquético e a vovó Bim Latem, de quem recebia as informações sobre o pessoal do quarteirão.

Diva morava em Tupinambicas das Linhas há mais de 30 anos e esse tempo todo a autorizava a dizer que, se não fosse a tranca-ruas mór do bairro, estaria próximo de sê-lo.

Ela se orgulhava de saber tudo sobre a vizinhança não se importando quando alguma criança raivosa, passando defronte sua casa, a xingava de muxiba fuxiqueira.

Naquela manhã, Diva tomara banho logo que acordara, penteara-se com esmero e vestira seu melhor vestido vermelho. Ela gostava da tal cor pois lembrava a capa dos toureiros, do sangue, do suor e da areia. Diva era romântica.

Enquanto sorvia o café da manhã ela se imaginava falando para aquela platéia que lotaria o ambiente abafado. “Abram suas janelas, abram as suas benditas janelas”, pensava ela ensaiando as palavras que diria ao pessoal.

Ao chegar à esquina onde Francisca passaria para dar-lhe a carona, Diva notou que uma rola assentada no fio do telefone, esticado logo acima da sua cabeça, levantava o rabo ensaiando a degeção.

Diva deu um passo adiante para sair da linha do bombardeio. Antes que pudesse se desequilibrar, por ter chegado muito perto da sarjeta, ela voltou os olhos para cima.

- Será que é praga de empreiteiro? Desde que vendí os 45 terrenos daquele loteamento clandestino, feito pelo Jarbas e Zé Lagartto, sou perseguida por esse tipo de ameaça. – murmurou ela, angustiada também pela demora de Francisca.

- Não sei se esse prefeito inepto chegará ao fim do mandato. É tanta discórdia no governo dele, tanta falta de educação, tanta falsidade e falcatruas, que não concebo um final feliz. – monologava Diva.

De repente, com uma freada ruidosa, seguida por uma buzinada estridente, Francisca chegava com aquela sua antiga Brasília branca.

Ao embarcar Diva ouviu:

- Que vestido bonito tia! Comprou no brechó?

- Que nada, filha. É novinho em folha. Você gostou? – Diva extravasava alegria.

- Ai, tia, me desculpe, mas parece cortina velha de teatro. – confidenciou Francisca, receosa que pudesse constranger a acompanhante.

- Não me importo com isso. Sei que sou bonita e gostosa. Além disso, considero-me a melhor vendedora de terrenos dos loteamentos fajutados de Tupinambicas das Linhas. Pisa nessa geringonça que estou atrasada. As velhotas já estão me esperando.

Soltando fumaça branca e emitindo ruídos tenebrosos lá se foram Diva, a melhor vendedora do mundo, atualmente morando em Tupinambicas das Linhas e Francisca, a zelosa funcionária, rumo ao mais novo e esperado lançamento imobiliário da cidade.
Fernando Zocca.

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