quarta-feira, 7 de abril de 2010

Meus óculos

Para dar a mim, que me guiava, a visibilidade traseira, adaptei na armação dos meus óculos dois minúsculos espelhos. Eles iam fixos logo abaixo das hastes que faziam a conexão com as lentes.

Tal invento proporcionava a observação dos pilotos fortemente municiados que no comando dos últimos Messerschmitt, ainda tentavam sustentar aquele fogo já em vias de extinção.

O assédio todo se originara numa quizila que se tornara pendenga jurídica, que por sua vez, descambava agora, para a persecução envolvendo a turma toda daquele suposto credor.

Como nunca havia negado o crédito ao perseguidor, mantinha-me na defesa, até o momento em que as tropas aliadas chegassem, trazendo os reforços com os quais pudesse solver todos os vazios deixados.

Mas vivia momentos insólitos. Em ondas justapostas de ataque, os Stukas eram sucedidos por enxames de ME 109, que saídos assim como que do nada, despejavam as metralhas verbais de munição explosiva.

Por isso tinha que usar toda a imaginação, com que fora agraciado por Deus, na defesa da integridade própria.

Meus amigos, os aliados Alan Brado e Alan Bique deixaram o teatro de operações assim que a coisa começou a esquentar. Não podia queixar-me disso. Deveria respeitar as decisões de quem acreditava que marketing de pobre era simpatia.

Estava em um momento crucial de minha existência. Considerava eficientes os enunciados criados pelos fervorosos defensores da liberdade. Em aliança com minha causa difícil, sustentavam o fogo usando munição poderosa.

Apesar do achaque de alguns chatos de galochas, que afirmavam: "tem nego que só come a moça quando morde aquele chocolate da Nestlé", eu ainda ponderava que às vezes, sofria-se não por ser o trem muito pequeno; mas por ter o túnel muita largura.

Aquela ira italiana que formava meu ser abrandava-se com o passar do tempo. Eu não acreditava naquele marmanjo maledicente que espancava dizendo aos quatro ventos: "subia o preço do pãozinho, subia o preço do gás, só o nosso bimbo não subia mais". Eu achava que pra tudo na vida tinha jeito.

Tratando de botar para fora dos meus armários aquelas flores de plástico sem graça, notas fiscais dos carros com histórias mal contadas, medalhas e tíquetes de passagens aéreas ao Havaí, frangos mumificados, e as big salsichas indigestas de porco, eu concebi que era chegada a hora de mudar o rumo do meu navegar. Eu deveria alcançar o porto que me indicava aquela estrelinha lá no céu. Fundearia ali minha nave. Afinal, meu amigo, a noite da existência vinha chegando.

Eu tinha, então, que me precaver.


Publicado originalmente em 09/09/2002
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