sexta-feira, 28 de maio de 2010

Sofrendo no Parque Infantil

Delsinho, o cabeleireiro periguete, morava há muito tempo com a irmã mais velha. Apesar de dividirem o mesmo teto, eles quase não se viam. Não obstante a amizade que os unia, uma das manias do mocinho, de cabelos encaracolados, vexava a mana barriguda.

Delsinho, o lindinho, habituara-se a vestir as roupas da falecida mãe. Essa mania teve início logo depois do falecimento da boa velhinha. Diante do guarda-roupa da mamãe, ele teria empacado num acesso de dúvidas: doar ou não doar as vestimentas da finada?

O mocinho delicado trabalhara, quando muito jovem, na Companhia Tupinambiquence de Força e Luz. E fora lá naquele ambiente, rodeado por mesas, máquinas de escrever, calculadoras e papéis que o menino conheceu o Fofão.

Fofão trabalhava na oficina mecânica do Nero careca, onde lavava as peças com gasolina. Por ser aprendiz, do experiente mecânico Nero, começara no ofício bem de baixo: lavando as peças dos motores desmontados.

No afã de telefonar para a oficina do Nero, buscando saber se esse ou aquele veículo, da Companhia Tupinambiquence, estava pronto ou não, foi que as almas de Fofão e Delsinho se encontraram.

Numa tarde, depois de ouvir duzentas vezes, do seu chefe as ordens para que telefonasse à oficina, a fim de saber se uma caminhonete ficara pronta, Delsinho atendido por Fofão, sentiu-se enamorado pela voz que ouvia ao telefone.

Então tomado por um enlevo assaz arrebatador, Delsinho resolveu ir pessoalmente à oficina do Nero, onde estava o dono da mais bela voz, que jamais ouvira em toda a sua vida.

E foi assim que aquele caso entre Delsinho e Fofão teve início. Durante os primeiros meses do relacionamento algumas atitudes, a fim de harmonizar as preferências, eram cobradas por ambos

Fofão mantinha um bigode fino margeando o lábio superior. Mesmo com as reclamações do companheiro, durante os passeios de carro, nas tardes de domingo, o dono do bigode recusava-se a raspá-lo.

- Esse bigodinho ridículo me faz lembrar o diretor do Parque Infantil, lá na Rua Botadentes, onde minha tia me levava pra brincar com os moleques – dizia Delsinho acomodado no banco do carona, daquele Simca Chambord amarelo e branco, legítima propriedade do Fofão, numa tarde de domingo do outono de 1962.

- Ah, não esquenta Delsinho. Já não chega essa mania de andar pra cima e prá baixo com esse roupão branco ridículo? – respondia Fofão em defesa dos seus pêlos supralabiais.

- Olha, mas aquele homem era mesmo muito chato. Ele vinha logo com uma prancheta na mão esquerda, uma caneta furreca na direita e um apito pendurado no pescoço. Quando chegava no meio da molecada gritava com todo mundo dividindo o bolo de gente em duas turmas. Uma leva ia pra um lado do campo e a outra pr´outro. E sabe o que ele fazia? Ele ficava no meio, entre os dois bandos segurando uma bola de capotão acima da cabeça das hordas. E quando ele soltava aquela bola, meu amigo, não adiantava assoprar o apito. Que saísse da frente que era chute pra todo lado.

- Você exagera, ô Delsinho. Para com isso. – reclamava Fofão, engatando uma terceira marcha.

- Nada! O tal saia pulando feito uma gazela e subia nos primeiros degraus da arquibancada que circundava o campo. Lá de cima, a salvo, ele apitava e apitava aquela coisa horrorosa. Teve uma hora que eu não agüentei. Pedi pra sair. Eu não sabia qual era o meu time. Era tudo misturado. Não tinha uniforme. Quando eu pegava a bola, alguém pedia pra eu passar. Eu passava e o cara era do time contrário. Puta reclamação! Eu não suportei e pedi pra sair. Fiquei sentado vendo a zoação. Deus me livre!

- Ah, para Delsinho! – Olha estamos passando em frente ao prédio da prefeitura.

- E depois que tava todo mundo suado, cansado, com o corpo cheio de terra o cara mandava todos ficarem numa fila enorme. Eles davam ou pão com banana ou pão com leite moça. Mas não era genial?

- Que vida hein Delsinho?

- Ah, olha, nem sei. Um dia até pensei em morar na Holanda. Lá tem tamancos, diques e pintores famosos.





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