quarta-feira, 30 de junho de 2010

O coquetel Molotov

E chegava mais um final de semana. A noite surgia amena encontrando Van de Oliveira, no quarto, preparando-se para sair.

Diante do espelho, Grogue ajeitava a calça, a camisa esporte e, com um retoque final o penteado.

Duma gaveta sacou o frasco de desodorante, exagerando a aspersão nas axilas. Transcorria fevereiro de 1975, quando o governo em Brasília, era ainda exercido pelos generais.

Grogue ao caminhar pelo quarto teve a convicção de ter acertado na escolha do calçado que usaria para badalar naquele sábado: entre um par de tênis e outro de coturnos, escolhera o segundo.

Bem vestido o camarada deu três passos adiante, parou, voltou-se e de longe mirou sua figura no espelho. Estava tudo de acordo e nos conformes. As botas, apesar de amarradas firmemente nas canelas, deixavam os pés folgados.

Metendo no bolso um maço de Hollywood e uma caixa pequena de fósforos, ele sentiu-se pronto para a noitada.

Desceu a escada, abriu a porta da rua, entrando com habilidade, no Karmann Guia 1972, vermelho, estacionado defronte ao sobrado.

Ao volante acendeu um cigarro, pondo-se depois em marcha. Ele ouvia com atenção o ruído baixo, lento e grave que saia dos escapamentos abertos, daquele motor 1500.

Van de Oliveira dirigindo numa velocidade reduzida, bem devagar, quase parando, rodeou a praça central, notando o afluxo inexpressivo de pessoas.

Depois de parar defronte ao bar do Bafão, onde havia mesas de sinuca, ele desceu, mas não fechou à chave a porta do carro.

No boteco três ou quatro duplas jogavam bilhar. A névoa cinza da fumaça dos cigarros turvava o ambiente, ao mesmo tempo em que o cheiro impregnava-o.

Van acomodou-se a uma das mesas postadas perto do balcão, pedindo cerveja. Depois de atendido ele notou, assustado, que dois travestis caracterizados como prostitutas se aproximaram dele.

Convidados a se sentar e a tomar cerveja eles não quiseram, dizendo, entretanto que Lola Door, a dona do bar situado na esquina próxima, queria falar-lhe.

Van bebeu com muita calma e depois, avisando ao Bafão que iria ao bar da Lola, saber o que ela queria, saiu a pé. Com uma vintena de passos ele entrou no boteco da cafetina velha.

Defronte ao balcão havia um aglomerado de bebedores falantes. A mulher comandava a caixa registradora, enquanto que seu companheiro, que a tirara da zona do meretrício, alguns anos antes, atendia os pedidos do pessoal.

Ao ser avistado pela mulher, Grogue percebeu que ela fazia-lhe gestos, para que se aproximasse.

À presença do recém-chegado, um silêncio inesperado, dominou o ambiente. Acercando-se da mulher, Van de Oliveira Grogue, curioso ao extremo, para saber o que ela tinha a lhe dizer, foi atingido, de repente, por uma pancada tão forte na face esquerda, que o derrubou ao chão.

Lola dera-lhe no rosto com a costa da mão esquerda. Tentando levantar-se o rapaz não conseguia entender o motivo do ataque.

Alguns risos sobressaiam do burburinho que ressurgia no aglomerado. Dois homens se aproximaram e pegando-o pelos braços puseram-no pra fora do boteco.

“Que filhos da puta! Só pode ser intriga dos veados” – pensou Grogue.

Com a visão turva de ódio, ele entrou no Karmann Guia, foi até o sobrado, pegou uma garra vazia de vinho e voltando ao carro dirigiu-se ao posto de combustível da redondeza.

Não havia movimento. O frentista estava só e ouvia algo no rádio a pilhas; ele não estranhou quando o homem que acabara de chegar, pedira-lhe que enchesse a garrafa com gasolina.

Grogue fechou o frasco com uma rolha; ao invés de pagar o preço, disse ao homem que perdera a carteira; que morava a dois quarteirões de distância e que voltaria logo em seguida, para o acerto.

De nada adiantaram os protestos do frentista. Van de Oliveira entrou rápido no carro deu a partida e, acelerando com força, desapareceu.

Estacionando defronte ao sobrado, ele subiu rápidamente a escada indo direto pro quarto. Duma gaveta, da velha cômoda, ele tirou a camiseta amarela que reduziu a trapos.

Enlaçando o gargalo da garrafa com o pano, desceu ás pressas a escadaria, entrando afoito no carro vermelho.

Sentindo muito ódio, ele pisou fundo no acelerador; não se importou com as imprecações murmuradas pela vizinhança irritadiça.

Grogue parou longe do seu alvo. Talvez uns cinquenta metros. Ele desceu do carro com a garrafa na mão esquerda. Ao se aproximar do boteco precisava umedecer, com a gasolina, o trapo do gargalo.

Van tirou a rolha, vertendo o liquido aparado no pano. Entretanto, os gestos bruscos, por estar muito tenso, fizeram com que a gasolina vazasse em demasia, molhando-lhe o braço e a mão esquerda.

Fechando a garrafa com a rolha e firmando o pano, ele sacou do bolso a caixa de fósforos. Naquele momento uma dúvida o parou: lançaria o projétil contra o chão, nos pés da turba, ou contra as garrafas de bebida, enfileiradas nas prateleiras, acima e atrás da cabeça da agressora?

A distância entre ele e a turma que bebia não impediu que o cheiro da gasolina o denunciasse. Os homens perceberam e iniciaram movimentos de pânico.

Com receio de ser impedido, antes de alcançar o seu objetivo, Grogue acendeu o estopim. Mas as chamas passaram-lhe para o braço e a mão encharcadas de combustível.

Sentindo a queimadura, ele soltou a garrafa que explodiu aos seus pés, na sarjeta.

Cercado pelos bêbados Grogue quase foi linchado. Uma viatura da guarda levou-o ao delegado, que depois de um interrogatório breve, mandou-o ao pátio interno da delegacia.

Sentado numa escada fria, observado pelos detentos, que o olhavam das janelas gradeadas das celas, Van viveu uma das madrugadas mais frias e tristes da sua vida.

Um comentário: