quinta-feira, 16 de maio de 2013

A Boca Babenta



O ônibus interestadual entrou nos limites da cidade do Rio de Janeiro durante a madrugada de sábado. Fazia frio dentro do veículo, mais por causa da exigência das janelas fechadas, que requer o ar-condicionado ligado incessantemente, do que pela temperatura natural do território.

A quase 10 minutos antes da parada final, alguns passageiros já se preparavam para o desembarque, guardando cobertores nas mochilas e malas.

As luzes da cidade passavam céleres e, às vezes, uma desaceleração abrupta, ante um semáforo ou outro, dava a impressão de que a pressa do motorista faria com que a viagem, de tantas e tantas horas seguidas, não terminaria muito bem.

Eu já previa dificuldades, durante a minha estadia ali no Rio, por não ter planejado absolutamente nada daquele ato maluco de sair bestamente assim, de São Paulo, no impulso, com a cara e a coragem.

Os passageiros formavam uma fila no corredor, aguardando a vez para descer, quando o ônibus parou finalmente na rodoviária Novo Rio.

Ao colocar a mochila nas costas e olhar através de uma das janelas, vi um sujeito mal-encarado observando o pessoal que descia.

A figura levava frequentemente a mão à boca e aspirava com força o cigarro fumacento. Notei que ele vestia uma camiseta azul com a inscrição 1905 em amarelo, na altura do peito.

Eu não tinha nada planejado e não sabia o que fazer. Tomar um taxi? Sim mas para onde? Uma cama bem macia de hotel resolveria os mal-estares provocados pelo desconforto da viagem. Mas qual?

Eu vacilava enquanto os demais passageiros dispersavam seguindo seus destinos. Não tenho certeza, mas acho que o cara percebeu minha hesitação e aproximou-se. Por ser muito mais alto do que eu, o fulano olhou-me ostensiva e ameaçadoramente de cima para baixo.

- Você tem algum problema comigo? - perguntou o malcheiroso com sotaque castelhano, soltando, em seguida, uma baforada de cigarro no meu rosto.

Eu fiquei espantadíssimo com a cena, mas considerei que o estranho poderia não estar no seu juízo perfeito e, por isso mesmo, num ato de doideira, praticaria  alguma violência.

- Eu não. Eu nem te conheço. Como é que teria algum problema com você?- respondi-lhe.

- Eu tenho seis filhos pra sustentar - disse o sujeito como se tal fato pudesse justificar qualquer ato agressivo da parte dele.

- Sim, tudo bem. Mas o que é que eu tenho com isso? Você não pode sair por ai chutando as pessoas por causa dos seus desejos.

- Você está na minha frente, no meu caminho, e eu quero que você suma daqui - afirmou raivosamente o gringo.

Bom, eu fiquei em estado de alerta e me preparava para reagir ou cair fora o mais rápido possível, quando o maluco, depois de se afastar alguns metros, voltou correndo, lançando-se com os dois pés no meu peito.

Caído no chão eu ainda pude ver quando o camarada se aproximou preparando outra pancada.

Eu que já esperava outros golpes buscava, no bolso da calça, alguma coisa com que pudesse me defender, quando alguém acertou violentamente a cabeça do valentão. Atingido, o agressor caiu desmaiado, com a boca babenta.

Para a minha surpresa vi que a minha salvação viera por meio de uma garota vigorosa, de esvoaçantes cabelos castanhos com mechas brancas.

A menina trajava short preto, camiseta roxa e coturnos. Quando ela estendeu a mão, para me ajudar a levantar, vi no seu dedo anelar direito, um anel enorme com a imagem de um gavião.

- Seja bem vindo ao Rio de Janeiro - disse-me a menina ao tomar o celular chamando um taxi. 

É meu amigo… Quem negaria que a vida continua? Percebi que guardaria eternamente aquela menina no meu coração.


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