sábado, 4 de dezembro de 2010

A Ira Divina

Gelino Embrulhano era um sujeito mentiroso. Além disso, ele tinha o péssimo costume de, nas reuniões dos botecos que frequentava, quando contava seus casos escabrosos, apontar disfarçadamente com as mãos, as pessoas presentes a quem antipatizava.

Numa ocasião quando Embrulhano procurava mimar o meliante furtador de talões de cheques e um Chevette velho, ele parolava assim, no bar do Maçarico, repleto de simpatizantes:

- Imagine, o cara é um infeliz, um coitado, ele bebe porque o pai dele também bebia. Tem gente que não usa de paciência com esses desvalidos da sorte – enquanto expelia suas ideias, Gelino Embrulhano gesticulava dissimuladamente em direção ao Van Grogue.

Van recebia os recados, mas não atinava na motivação, que fazia o tal Embrulhano, envolvê-lo na quizumba, arrumada pelo libertino maledicente louco.

- Pois o cara é gente simples. Um pobre que não sabe a que veio neste mundo velho de meu Deus – continuou Gelino.

- Mas espera um pouquinho ai. Por favor: digam-me se o sujeito por ser débil mental pode fazer o que deseja na comunidade, inclusive furtar um Chevette e talões de cheques – aparteou Maçarico que esfregava, com certa energia, o guardanapo no tampo do balcão.

- É claro que não pode e não deve fazer o que lhe der na telha. Principalmente se tiver consciência de que não age de maneira correta – interferiu Van Grogue já bastante perturbado pelos gestos indicativos do Embrulhano.

- Gente! Vocês não entendem! Não podemos pagar o mal com o mal – implorou Embrulhano.

- Pelo que eu sei a comunidade paga com o bem, as maldades e maledicências que recebe desse patife, há mais de dez anos. E o miserável não se emenda. Assim não dá, assim não pode – reforçou Edgar D. Nall.

- É isso mesmo. Pra que dois pesos e duas medidas? Pau de dá em Chico dá em Francisco. “Ferro na boneca”. O tratante já deu provas de que não se emenda. Se quiser drogar-se que se mude pra bem longe – reforçou Maçarico.

- Imagine se tem cabimento isso: o retardado mental rouba o carro do trabalhador, o talão de cheques do comerciante, boqueja idiotices o tempo todo, e são elas, as vítimas, que precisam de amparo médico. Vá vendo. Que absurdo! – esgoelou Van Grogue tomado pela ira divina.

- Quem dá proteção a esses malefícios é o Jarbas, o caquético. Esses detonadores da comunidade fazem parte do curral eleitoral do prefeito e do deputado estadual Tendes Trame – informou Zé Cílio Demorais, o proprietário do Diário de Tupinambicas das Linhas, que até então se mantivera calado.

O consenso não convenceu Gelino Embrulhano, que no seu íntimo, achava ser preciso dar ao difamador, muito mais do que só bons conselhos ou repassar-lhe os princípios da boa educação.





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