segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Ensaio




                                Naquele sábado de manhã Célio Justinho levantou-se com uma ressaca terrível. Ele, Adam Olly, o doutor Silly Kone e Edgar Sá, passaram mais de três horas bebendo o que conseguiram no bar do Bafão.
             Aos mal-estares da bebedeira, somavam-se a preocupação de Célio com o ensaio que ele e os integrantes da Bandadubo, fariam naquela tarde, no quintal da casa.
             - Luísa Fernanda! – gritou Célio assim que entrou no banheiro, vindo do quarto abafado – Onde está criatura, o sabonete dessa joça?
             Luisa Fernanda, na sala, falava ao telefone com a vovó Bim Latem, que a convidava para uma reunião a ser feita na segunda-feira à noite.
             - Olha, não sei – dizia Luisa Fernanda ao telefone.
             - Como não sabe criatura? Eu não mandei você comprar um novo lá no boteco ontem? – esbravejou Justinho, ainda cambaleante, no banheiro.
             - A senhora sabe muito bem que no banco o pessoal pega no meu pé, não é? E tudo por causa daquela oficina de um ano, que tive de fazer depois que a diretoria trocou as guias amarelas pelas verdes. Lembra-se daquela papelada que eu carimbava todos os dias? Então...
            - Mas que mané papelada Luísa? Deixa de ser burra. Eu quero um sabonete! – esgoelava Célio Justinho.
             A cachorra Poodle Magna que, deitada ao sol na borda da piscina, ao ouvir os gritos ressoantes pela casa, iniciou uma caçada às pulgas que mantinha no cangote. Usando a pata traseira direita ela coçava-se com sofreguidão.
             Ao perceber que não seria atendido, Célio resolveu ele mesmo procurar pelo objeto que precisava. Saiu e, abrindo com vigor maior do que o usual, a porta da despensa, apanhou o sabonete.
             Caminhando de volta, resmungando desaforos, ele quase caiu ao tropeçar no tapete fixado defronte a porta do banheiro.
             Por volta das 16 horas o pessoal da Bandadubo começou a chegar. Não vinham todos juntos, mas aqueles que aportavam primeiro paravam seus carros na frente da casa da Luisa Fernanda; meia hora depois havia oito veículos estacionados naquele trecho do quarteirão.
             Ao vozerio e aos ruídos dos instrumentos sendo instalados ao lado da piscina, se juntavam os latidos estridentes da Magna, agora completamente enlouquecida com a perda do sossego.
             Célio mandou vir cerveja e uma garrafa de pinga que deixou na mesa estrategicamente resguardada dos raios solares.
             Na bateria acomodou-se Silly Kone que, com toques ligeiros, testava o som das caixas. No baixo, Pery Kitto fazia vibrar as cordas grossas usando o indicador e o médio da mão direita.
             Na guitarra Billy Rubina que estreava uma palheta nova, para tanger as cordas de aço, disfarçadamente tentava também afastar Magna, que rosnando, buscava o pé direito do músico.
             No vocal, testando o microfone, estava Van Grogue, o biriteiro mais querido de Tupinambicas das Linhas.
             - Testando... 1,2. Teste. 1,2. Som... Som. 1, 2. Som... Som. Alô. Som. 1,2. Som – dizia Van de Oliveira, com a voz monocórdica, ao microfone encostado no queixo, logo abaixo do lábio inferior.
             Depois de longos e terríveis cinco minutos de teste do microfone Luísa Fernanda, completamente descabelada, adentrou o local onde se dava a reunião e disse:
             _ Mas que puta que o pariu é essa? Tenha a santa paciência Van! Pelo amor da sua pinga. Você está querendo torturar a vizinhança? Não é possível! Veja que nem pardal fica perto dessa zoeira. Para com isso porra!
             Sentindo-se vexado pela reprimenda que a mulher fazia ao companheiro, Célio Justinho tentou esfriar os ânimos da nervosa Luisa:
             - Calma, bem. Isso é praxe. Você sabe que os músicos têm esse hábito de testar os microfones. Nada mais que isso.
             - Pô! Mas o cara já bateu com os dedos na coisa, já assoprou, contou até dois, disse “trocentos” som e ainda fica nessa? Qual é Van? Está tirando com a minha cara? – gritou Luiza com o rosto todo avermelhado pela ira.
             As pessoas do quarteirão e os parentes mais próximos já sabiam que Luísa tinha mesmo esses rompantes irracionais. Alguns afirmavam que quando ela não tinha ninguém pra descarregar a raiva, acalmava-se varrendo as calçadas do quarteirão todo com a sua vassoura especial.
             Demonstrando certa insensibilidade às críticas lançadas Van continuou o teste:
             - Som... Som... Som. Teste, 1,2, som. Som. Som, testando. Som.
             Tomada por um acesso avassalador de histeria Luisa saiu do quintal arrastando tudo o que havia na sua frente. Algumas caixas de cerveja empilhadas ao lado da porta de correr, que separava o quintal e a cozinha da casa, ao receberem o choque causado pelo encontrão da “Irene Tupinambiquence”, começaram a desabar. Magna estava embaixo.
             Tomado por aquele seu instinto de goleiro, Van largando o microfone, deu um salto magistral fazendo uma espécie de ponte superfaturada, com a qual desviou o caixote que esboroaria o cocuruto da cadela.
             Luisa Fernanda percebendo o gesto heroico do biriteiro desmanchou-se em salamaleques de profundo respeito.
             - Van, me desculpa. Você é meu herói. – disse Luisa choramingando ao ir para a cozinha com a cachorra no colo. 
               
              Leia também O Kadafi Tupinambiquense.

Nenhum comentário:

Postar um comentário